Bacalhau não é peixe! Bacalhau peixe é? Bacalhau só é peixe nas terras do pajé!


Já estava na hora do bacalhau deixar de ser apenas um delicioso peixe seco e salgado que demora uns dois dias para ser preparado. Além do trabalho que é ficar trocando a água para retirar o excesso de sal, o compra do bacalhau sempre foi algo duvidoso, será mesmo que é aquele bacalhau? Nossa!!! Isso rende papo durante o jantar. E no fim alguém faz o comentário: E a cabeça do bacalhau? Pois é. Se você um dia você comparou algo nunca visto com a cabeça do bacalhau, pode encontrar outro ditado para fazer o trocadilho. Então neste post, quero explicar o que de fato é o bacalhau. Só não vou postar a cabeça do bicho porque eu não sei onde foi parar as imagens, um dia eu acho e neste dia eu apresento a face desse maravilhoso alimento.

A confusão desta história começa com o nome, bacalhau, que não é em nenhum lugar do mundo o nome do peixe, já que bacalhau é o nome que se dá ao processo de cura (salgar e tratamento) da carne de algumas espécies de peixe, pescados em águas frias. São cinco as espécies de peixes que prestam para fazer o bacalhau: o cod, o zarbo, o ling, o macrocéphalus e o gadus morua.

Aquele bacalhau que sonhamos e que ao mesmo tempo negamos ser aquele que está no nosso prato é feito com o gadus morua o nobre dos nobres. Essa espécie de peixe é típico das águas norueguesas e corre risco de extinção. Já aquele bacalhau que afirmamos ser um ótimo bacalhau geralmente é feito com o peixe macrocéphalus, típico das águas do Alasca e pescado com licença do governo do Alasca que limita o período de pesca para evitar o desaparecimento da espécie.

A oportunidade de apreciar o gadus morua é imperdível, até porque, já encontramos o peixe fresco e congelado em alguns mercados e lojas gourmet aqui no país. E seguindo uma técnica imperdível do Chef Alex Atala, podemos agregar o sabor da cura ao gadus. Segue a dica do chef: "compre o gadus morua e também o bacalhau seco. Retire as espinhas e também a pele do bacalhau seco, moa-o e seque-o numa estufa. Moa novamente e volte à estufa. Repita esse processo até que obtenha um sal do bacalhau. Seco, desidratado e bem fino. Uma vez com esse precioso produto na mão, tempere o gadus morua fresco, já que bacalhau fresco não existe, e deixe repousar por no mínimo duas horas." Desse momento basta cozinhar...

Aqui nas terras do pajé, no nosso país brasileiro, costumamos consumir um peixe encontrado principalmente no inverno em nossas águas. Mas o abrochas como é conhecido está longe de ser parecido e ter a mesma nobreza dos demais peixes estrangeiros. Mas na crise dá para matar aquela vontade de sentir o sabor de um peixe salgado. Produto este que está sendo substituído aos poucos pelo bacalhau semi-salgado, comum em toda Europa. Esse tipo de cura é suficiente para dar sabor de bacalhau aos peixes, seguindo uma tradição portuguesa do século XV . A vantagem desse processo é que ele é salgado até o ponto próprio para o consumo, mantendo as propriedades da textura, cor e suculência do peixe fresco e principalmente sem perder a intensidade e característico sabor do bacalhau.

Ganhando uma textura suave e abrindo-se em pétalas ao espetarmos com o garfo, temos inúmeras formas de cocção. Podemos assar cozinhar em caldo, grelhar, fritar em imersão ou não e após ter decidido como preparar a posta do bacalhau só nos resta abusar da criatividade e é claro do bom senso para escolher os acompanhamentos. Vamos deixar as batatas, azeitonas pretas, ovos cozidos e pimentões um pouco de lado e variar ou se você achar um pecado agregue outros ingredientes.

No caso desta receita optei por mini-legumes e verduras colhidos na horta orgânica que tenho em Nova Friburgo. Mini-cenoura, mini-chuchu, vagem de ervilha, mini-alface e alecrim. Todos os legumes foram branqueados numa água em ebulição e depois colocados num Bowl com água e gelo, a fim de manter a cor e, até por crença própria, selar os legumes impedindo que os nutrientes e sabores sejam desperdiçados. Esse choque térmico foi apenas um início do preparo dos legumes que logo em seguida foram cozidos individualmente com um pouco de manteiga e fond blanc (caldo claro de galinha) até a consistência do all dente para o macio.

O desejo pela textura do peixe fresco, com o sabor da cura e ao mesmo tempo ter a textura firme e crocante da pele optei por cozinhar a posta imersa no azeite numa temperatura de 60°C (com os temperos, alecrim, alho e cebola) e depois grelhar a pele na frigideira antiaderente. Na finalização e montagem, montei uma cama com os legumes, deitei a posta nesta cama e reguei com um vinagrete de azeite, raspas de limão, sumo de limão e pimenta moída na hora.

Delicioso... he! Agora a sorte está lançada, ou seria melhor dizer, o desafio está lançado? O que mais e como podemos reinventar o sabor e as combinações do bacalhau. Ah, não esqueça que uma azeitona preta de boa qualidade e o preparo certo e inovador da batata fará toda diferença do clássico. Eu mesmo acabei de pensar num bacalhau cozido em baixa temperatura no azeite e como acompanhamento batatas estufadas ou chips com casca, fritas com dente de alho e por fim um pesto de azeitonas pretas, tomilho com castanhas de caju, para temperar as batatas, ao lado uma saladinha de folhas dente-de-leão e mostarda, temperado apenas com fleur de sel, óleo de semente de uva e pimenta-do-reino. Hummmm... Pera aí que vou ao mercado comprar uma posta de macrocéphalus semi-salgado. Mais prático impossível...

Música: Too Much – Elvis Presley